"O primeiro beijo é uma coisa muito falada. Sem dúvida é uma experiência muito marcante, inesquecível. O primeiro beijo é uma maturação, uma descoberta. Ao mesmo tempo, para alguns, ele pode ser um monstro assustador", diz o cineasta Esmir Filho, diretor de "Saliva". O filme conta como Marina, uma garota de 12 anos, é pressionada a dar o seu primeiro beijo no experiente Gustavo.
Folhateen
TINHA ACABADO de ler a matéria sobre o primeiro beijo, no pequeno apartamento em que morava desde que ficara viúvo, anos antes, quando (coincidência impressionante, concluiria depois) o telefone tocou. Era uma mulher, de voz fraca e rouca, que ele de início não identificou:
- Aqui fala a Marília - disse a voz. Deus, a Marília! A sua primeira namorada, a garota que ele beijara (o primeiro beijo de sua vida) décadas antes! De imediato recordou a garota simpática, sorridente, com quem passeava de mãos dadas. Nunca mais a vira, ainda que freqüentemente a recordasse -e agora, ela lhe ligava. Como que adivinhando o pensamento dele, ela explicou: - Estou no hospital, Sérgio. Com uma doença grave... E queria ver você. Pode ser? - Claro -apressou-se ele a dizer- eu vou aí agora mesmo. Anotou rapidamente o endereço, vestiu o casaco, saiu, tomou um táxi. No caminho foi evocando aquele namoro, que infelizmente não durara muito tempo -o pai dela, militar, havia sido transferido para o Norte, com o que perdido o contato -mas que o marcara profundamente. Nunca a esquecera, ainda que depois tivesse beijado várias outras moças, uma das quais se tornara a sua companheira de toda a vida, mãe de seus três filhos, avó de seus cinco netos. E não a esquecera por causa daquele primeiro beijo, tão desajeitado quanto ardente. Chegando ao hospital foi direto ao quarto. Bateu; uma moça abriu-lhe a porta, e era igual à Marília: sua filha. Ele entrou e ali estava ela, sua primeira namorada. Quase não a reconheceu. Envelhecida, devastada pela doença, ela mal lembrava a garota sorridente que ele conhecera. Consternado, aproximou-se, sentou-se junto ao leito. A filha disse que os deixaria a sós: precisava falar com o médico. Olharam-se, Sérgio e Marília, ele com lágrimas correndo pelo rosto. - Você sabe por que chamei você aqui? -perguntou ela, com esforço. - Porque nunca esqueci você, Sérgio. E nunca esqueci o nosso primeiro beijo, lembra? Na porta da minha casa, depois do cinema... - Claro que lembro, Marília. Eu também nunca esqueci você... - Pois eu queria, Sérgio... Eu queria muito... Que você me beijasse de novo. Você sabe, os médicos não me deram muito tempo... E eu queria levar comigo esta recordação... Ele levantou-se, aproximou-se dela, beijou os lábios fanados. E aí, como por milagre, o tempo voltou atrás e de repente eles eram os jovenzinhos de décadas antes, beijando-se à porta da casa dela. Mas a emoção era demais para ele: pediu desculpas, tinha de ir. A filha, parada à porta do quarto, agradeceu-lhe: você fez um grande bem à minha mãe. E acrescentou esperançosa: - Acho que ela agora vai melhorar. Não melhorou. Na semana seguinte, Sérgio viu no jornal o convite para o enterro. Mas, ao contrário do que poderia esperar, apenas sorriu. Tinha descoberto que o primeiro beijo dura para sempre. Ou pelo menos assim queria acreditar.
- Aqui fala a Marília - disse a voz. Deus, a Marília! A sua primeira namorada, a garota que ele beijara (o primeiro beijo de sua vida) décadas antes! De imediato recordou a garota simpática, sorridente, com quem passeava de mãos dadas. Nunca mais a vira, ainda que freqüentemente a recordasse -e agora, ela lhe ligava. Como que adivinhando o pensamento dele, ela explicou: - Estou no hospital, Sérgio. Com uma doença grave... E queria ver você. Pode ser? - Claro -apressou-se ele a dizer- eu vou aí agora mesmo. Anotou rapidamente o endereço, vestiu o casaco, saiu, tomou um táxi. No caminho foi evocando aquele namoro, que infelizmente não durara muito tempo -o pai dela, militar, havia sido transferido para o Norte, com o que perdido o contato -mas que o marcara profundamente. Nunca a esquecera, ainda que depois tivesse beijado várias outras moças, uma das quais se tornara a sua companheira de toda a vida, mãe de seus três filhos, avó de seus cinco netos. E não a esquecera por causa daquele primeiro beijo, tão desajeitado quanto ardente. Chegando ao hospital foi direto ao quarto. Bateu; uma moça abriu-lhe a porta, e era igual à Marília: sua filha. Ele entrou e ali estava ela, sua primeira namorada. Quase não a reconheceu. Envelhecida, devastada pela doença, ela mal lembrava a garota sorridente que ele conhecera. Consternado, aproximou-se, sentou-se junto ao leito. A filha disse que os deixaria a sós: precisava falar com o médico. Olharam-se, Sérgio e Marília, ele com lágrimas correndo pelo rosto. - Você sabe por que chamei você aqui? -perguntou ela, com esforço. - Porque nunca esqueci você, Sérgio. E nunca esqueci o nosso primeiro beijo, lembra? Na porta da minha casa, depois do cinema... - Claro que lembro, Marília. Eu também nunca esqueci você... - Pois eu queria, Sérgio... Eu queria muito... Que você me beijasse de novo. Você sabe, os médicos não me deram muito tempo... E eu queria levar comigo esta recordação... Ele levantou-se, aproximou-se dela, beijou os lábios fanados. E aí, como por milagre, o tempo voltou atrás e de repente eles eram os jovenzinhos de décadas antes, beijando-se à porta da casa dela. Mas a emoção era demais para ele: pediu desculpas, tinha de ir. A filha, parada à porta do quarto, agradeceu-lhe: você fez um grande bem à minha mãe. E acrescentou esperançosa: - Acho que ela agora vai melhorar. Não melhorou. Na semana seguinte, Sérgio viu no jornal o convite para o enterro. Mas, ao contrário do que poderia esperar, apenas sorriu. Tinha descoberto que o primeiro beijo dura para sempre. Ou pelo menos assim queria acreditar.
Produção de texto
Você se lembra de seu primeiro beijo? Ou ele ainda não aconteceu? Se aconteceu, escreva um relato bem criativo contando como foi. Se não, use a imaginação e conte como você gostaria que fosse.