segunda-feira, 9 de maio de 2011

CRÔNICA


 
Ser goiano

 
Ser goiano é carregar uma tristeza telúrica num coração aberto de sorrisos. É ser dócil e falante, impetuoso e tímido. É dar uma galinha para não entrar na briga e um nelore para sair dela. É amar o passado, a história, as tradições, sem desprezar o moderno. É ter latifúndio e viver simplório, comer pequi, guariroba, galinhada e feijoada, e não estar nem aí para os pratos de fora.
Ser goiano é saber perder um pedaço de terras para Minas, mas não perder o direito de dizer também uai, este negócio, este trem, quando as palavras se atropelam no caminho da imaginação.
O goiano da gema vive na cidade com um carro-de-boi cantando na memória. Acredita na panela cheia, mesmo quando a refeição se resume em abobrinha e quiabo. Lê poemas de Cora Coralina e sente-se na eterna juventude.
Ser goiano é saber cantar música caipira e conversar com Beethoven, Chopin, Tchaikovsky e Carlos Gomes. É acreditar no sertão como um ser tão próximo, tão dentro da alma. É carregar um eterno monjolo no coração e ouvir um berrante tocando longe, bem perto do sentimento
Ser goiano é possuir um roçado e sentir-se um plantador de soja, tal o amor à terra que lhe acaricia os pés. É dar tapinha nas costas do amigo, mesmo quando esse amigo já lhe passou uma rasteira.
O goiano de pé-rachado não despreza uma pamonhada e teima em dizer ei, trem bão, ao ver a felicidade passar na janela, e exclama viche, quando se assusta com a presença dela.
Ser goiano é botar os pés uma botina ringideira e dirigir tratores pelas ruas da cidade. É beber caipirinha no tira-gosto da tarde, com a cerveja na eterna saideira. É fabricar rapadura, ter um passo preto nos olhos e um santo por devoção.

O goiano histórico sabe que o Araguaia não passa de um "corgo", tal a familiaridade com os rios. Vive em palacetes e se exila nos botecos da esquina. Chupa jabuticaba, come bolo de arroz e toma licor de jenipapo. É machista, mas deixa que a mulher tome conta da casa.

O bom goiano aceita a divisão do Estado, por entender que a alma goiana permanece eterna na saga do Tocantins.

Ser goiano é saber fundar cidades. É pisar no Universo sem tirar os pés deste chão parado. É cultivar a goianidade como herança maior. É ser justo, honesto, religioso e amante da liberdade.

Brasilia em terras goianas é gesto de doação, é patriotismo. Simboliza poder. Mas o goiano não sai por aí contando vantagem.

Ser goiano é olhar para a lua e sonhar, pensar que é queijo e continuar sonhando, pois entre o queijo e o beijo, a solução goiana é uma rima.
(TELES, José Mendonça. Crônicas de Goiânia. Goiânia: Kelps, 1998)
 José Mendonça Teles nasceu em Hidrolândia, GO, no dia 25 de março de 1936. Filho de João Alves Teles e Celuta Mendonça Teles. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Goiás, onde lecionou durante 33 anos, recebendo, em 2003 o título de Doutor Honoris Causa.
Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás durante 12 anos e presidente da Academia Goiana de Letras por 10 anos, ex-secretário de Cultura de Goiânia e ex-presidente do Conselho Estadual de Cultura de Goiás, é historiador, poeta, contista, cronista, ensaísta, dicionarista e jornalista, e autor de 33 livros relacionados com a cultura goiana, entre eles Vida e Obra de Silva e Souza, A Imprensa Matutina, General Curado - Estudo Biográfico, A Cidade do Ócio e Dicionário do Escritor Goiano. Coordenou vários projetos culturais goianos, entre eles o projeto resgate, idealizado pelo Ministério da Cultura, que trouxe para Goiás, micro-filmados, documentos goianos existentes no Arquivo Ultramarino de Lisboa, no período de 1731 a 1822. Pertence a várias instituições culturais do país, com várias condecorações e medalhas, entre elas a Medalha João Ribeiro, da Academia Brasileira de Letras. É autor da letra do Hino Oficial de Goiás.


Nenhum comentário:

Postar um comentário